Aqueles olhinhos pequenos e apertados
olhavam felizes a pipa no céu. Sua boca, com poucos dentes, se abria toda,
expressando alegria e inocência infantis. Também sorriam outros iguais no
parquinho, ao som da música americana. Lembrei-me então da guerra do Vietnã...
Das terríveis imagens desse conflito. No lugar de olhinhos felizes, ou atentos,
produzindo marionetes de couro e papel, o horror e o sofrimento. O dia de uma
criança de Camboja era o tema do vídeo.
Contraste com o jogo, em outro canal, narrado
por um personagem que se diz defensor da paz, contra a violência: jogo de vôlei
China versus Brasil. Pretexto para ódio e racismo? Algumas palavras,
entonações, fazem transparecer o que existe realmente no fundo da pessoa que
pronuncia. Visível o preconceito, sensível o ar de superioridade de quem vê
somente o que quer ver, insensível aos sentimentos das outras pessoas.
São sutilezas que perpetuam o ódio entre os
povos, a rejeição àquilo que não se conhece, àquilo que é diferente. “– Abre os
olhos, chinesinha!”...
Quando apareceu dentro da minha casa, comecei a
gritar apavorada, pois nunca tinha visto um animal daqueles. Por causa da minha
reação, a Lita acertou o bicho com um pedaço de madeira.
Minha amiga médica passava por lá e, vendo o animal
desfalecido, pegou-o delicadamente, envolvendo-o com seu olhar de quem é
acostumado a salvar vidas.
Mas o golpe havia sido fatal.
Um sentimento profundo de vergonha se apoderou de
mim. Dei-me conta do absurdo da situação.
Como podia condenar à morte um ser somente porque
ele era desconhecido para mim?
Porque era diferente?
Ela tinha que percorrer vários quilômetros antes
que o sol descortinasse aquela paisagem rural, no caminho até a escola.
Mas nem sua imaginação fértil de criança, que a tinha feito ver o homem sem cabeça, seres estranhos na escuridão, a faziam desistir de ir à aula.
Sua caligrafia era perfeita, escrevendo a língua do país que seus ancestrais haviam escolhido. Nação agora obrigada a participar da guerra contra os países do Eixo, por conta de um tratado dos irmãos do Norte.
Repentinamente, os traços diferentes de seu rosto eram o retrato do inimigo.
Vieram, então, as humilhações e as mudanças.
Para deixar a escola que tanto amava também havia
outro motivo, além deste. Por ser mulher, tinha que ajudar nas tarefas de casa,
auxiliar para que seus irmãos, do sexo masculino, pudessem estudar.
Minha história se confunde com a de minha mãe e a
de tantas outras pessoas injustiçadas por serem minoria, ou pertencerem a
uma classe menos valorizada. Por serem diferentes. Vinte anos depois, os
valores do tempo de guerra ainda vigoravam em forma de piadas e chingamentos
que enviavam mensagens de que este não era o meu lugar.
Qual seria, então, o meu lugar?
Cresci sentindo-me uma estranha em minha própria
terra. A sensação de ser diferente aumentava a cada experiência de inadequação.
Parece que este é o caminho inexorável da busca de
si mesmo. O processo de individuação. Encontrar o próprio lugar.
Dentro, fora e além.
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