Seu ciclo cármico, no cálculo original de seu
mapa cosmológico é 9, aquele número que é quase 0. Ao saber, ela se revoltou, pois identificou aí sua longa espera, seu comportamento de quase árvore.
Ao vislumbrar as possibilidades de mudança, agarrou-as, intuindo um caminho de se caminhar completo. Trocou de energias, de cidade, de vida. Pensou haver arrancado as raízes no salto mas descobriu, anos depois, que sua imagem de árvore persistia num formato peculiar que a mantinha ligada às suas
origens.
Agora, precisa investigar, trazer à tona registros que se insinuam, como sombras, paralisando seus movimentos.
De sua infância, contam um fato inusitado: um fio de cabelo na banheira a aterrorizava ao ponto de fazer soar gritos de pavor por toda a casa.
Tentando compreender o motivo, ela associa ao purgatório budista, como
descrevem, onde se deve engolir grandes cabeleiras. Os fantasmas arrepiantes, desenhados nos livros japoneses, portando longos cabelos desgrenhados, também é uma explicação plausível.
Numa família de corajosos lutadores, a presença do medo deve ser muito bem camuflada.
Artifícios, amiúde, são necessários para manter uma imagem íntegra, impecável, de poder e domínio.
Relatos assustados sobre visões de rostos estranhos no escuro, ou de conhecidos mortos, não são estimulados, intensificando, assim, o mistério. Quanto à veracidade, ou credibilidade, impossível saber.
O que se tenta esconder, abafar, negar, porém, sai pelas frestas. Os reflexos que se formam constroem ao redor um mundo de contradições, representado em sua coleção de itens sem significado reunidos ao longo da vida, deixando-a suspensa a meio caminho.
Como de costume, ela revira seus guardados. Chacoalha cada palavra, impregnada de poeira velha. Procura o som primordial.
De
respeito, desprega-se submissão, deixando exposta a cena de uma criança brincando no barro, livre, dando forma à sua imaginação. O campo se abre e ela vê suas amigas árvores, o verde se espalha, as cores se multiplicam, surgem bichos nas mais diversas formas...
Por que teria medo de ser diferente? De aceitar o que é estranho?
Eye to I Osamu Kitajima (fundo musical desta postagem)