Foto de Marques Leite |
Ela acabara de chegar à Montanha e, quase sem fôlego, observava o imenso vale.
De repente, um garoto gritou, entusiasmado: — Um sanhaçu!
Sem saber o que procurava, a novata traçou, com o corpo todo acompanhando os olhos, um círculo de 360 graus à sua volta...
— Um passarinho, logo ali! — insistiu o menino.
Ela nada viu. Intimamente, fez a si mesma a pergunta que a acompanhou por bastante tempo: como conseguiu distinguir algo tão pequeno nesta profusão impiedosa de imagens?!
Decerto, ajudavam-no os grandes olhos, que se destacavam de seu rosto negro sob o boné. Taroba, o chamavam. Por alguma razão, juntara-se às outras crianças que chegavam, uma a uma, por afinidade ou capricho do destino.
Outra qualidade, percebida ao longo da convivência: ele dispunha da visão periférica desenvolvida por esses nativos acostumados a contemplar a natureza exuberante do alto das pedras.
Talvez por isso tivesse que fazer um esforço extra para encontrar o mundo numa folha de papel, repleta de pequenas letras. Convence-lo a fazer essa viagem era desafio para mergulhar nos assuntos e buscar métodos inusitados de ensino.
Inúmeras vezes, ela sentiu aqueles olhos espreitando-a à distância e, auxiliada pela própria imaginação, o viu movendo a aba do boné, um tanto desconcertado. Como naquela vez, no retiro coordenado por Mestre Juan. A ordem era para que ninguém se dirigisse a ela, com palavras ou qualquer tipo de contato.
Ela vislumbrava algo de enigmático por trás do jeito amável e brejeiro de costume daquele garoto. Da mesma forma, ele parecia estranhar os modos diferentes daquela representante do "povo de fora".
Com o passar dos dias, compartilhando refeições, estudos, trabalhos, caminhadas, conversas ao redor do fogo, pouco se diferenciavam de uma verdadeira família. Ela, instrumento do Tudo para introduzi-lo no mundo progressivo. Ele, instrumento do Tudo para fazê-la retornar à essência.
Taroba, em 2014, ajudando a recuperar a Montanha da ACVC do terrível incêndio. |
Sanhaçu Cinzento - foto de Valdeci de Andrade |
Amadas crianças de pedra
Ensinem-me a ser pedra
Ajudem-me a transformar-me em pedra!
"Se eu pudesse escolher,
seria uma estrela que pisca"
Apenas mais uma forma de dizer.
(a frase entre aspas é da Mirian Rosa, numa noite estrelada na Montanha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Coloque comentários, perguntas, sugestões.