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domingo, 18 de agosto de 2013

SACRO OFÍCIO


O sentido que se apreende de uma palavra passa a determinar ações por grande parte da vida — veio-lhe à mente, de impacto, ao reler o Sermão da Montanha.

Sua ideia de sacrifício, gravado como o maior deles, é ser cravado numa cruz com longos pregos enferrujados, a coroa de espinhos a penetrar na testa, a seiva rubra a escorrer por todo o corpo.

Também sublime é o dos pais, que trabalham pelo sustento dos filhos, suando em bicas, sem se importar com o cansaço. Padecer no paraíso, oferecer alimentos ou vidas para aplacar a ira dos deuses... na missa, comer o corpo e  beber o sangue.


Viver dignamente é preencher os vácuos daqueles que morreram, cumprir o papel dentro do grupo, atendendo expectativas. Fazer jus a esses atos tão valorizados, repetir, como em videoteipe  as cenas quotidianas. Sacrificar-se. Há coisas que se entende, mas não se compreende, dizem, resignados ou ansiosos. 


Uma dor física no centro do peito confronta-se a pontos de interrogação no cérebro. Alguma luz dentro dela sinaliza que existem lacunas, dissonâncias que impossibilitam completar a travessia em harmonia. A rebeldia sem causa que a acompanha incita a buscar a compreensão do incompreensível. Buscar uma causa, talvez.


Repassando em flashes as experiências vividas, lidas, assistidas, começa a perceber sob nova forma as interações.  Dentro das convenções, à medida em que se pratica as melhores qualidades, estas passam a ser aspectos já esperados e exigidos, acabando por escravizar.


No desenrolar das histórias,  dar espontaneamente o melhor de si é parte de um contrato, um papel, um acordo qualquer. As convenções prevalecem sobre as necessidades humanas, sobre as qualidades essenciais como liberdade, prazer, amor. A ordem das caixas é mais importante que seu conteúdo. O compartilhar transforma-se num jogo de interesses.


Pergunta a si mesma: — A partir de quando abdiquei de mim?


Os compartimentos preenchidos da razão abrem-se, pouco a pouco, passando a desenvolver um diálogo com seu coração. Permitem que desabafe, expondo situações e posturas que o apertam, outras que o deixam mais quente, ou mais leve, ou fazem-no saltitar. 

Juntos, cabeça e coração, lembram que sacrifício deriva de sacro-ofício. Realizar o que é sagrado. No caso de Jesus, é a palavra, são os ensinamentos o sacro-ofício. Para realiza-lo, suplantou a vida física. As dores não o desviaram do objetivo maior a que veio.


Num lampejo, ela se dá conta de que, por muito tempo, ofereceu o sacrifício de forma equivocada, confundindo o objetivo com o espetáculo.

  
Desta vez, porém, não se castiga. Não dispor de total clareza é condição de seu estado atual. Faz parte do aprendizado, convida a experimentar com o corpo as coisas do mundo. 

Continuando a conversa interna, surpreende-se com as notas que produz. Números naturais, racionais e irracionais se distorcem em letras, linguagens, expandem-se em mínimas, semibreves, colcheias, alternando figuras de som e silêncio.

Ela dança, executa o sacro ofício.



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